Meu amigo Nietzsche

Outro dia, passeando pela minha timeline, me deparei com um link que me levou a um blog. Era sobre um filme chamado Meu Amigo Nietzsche. O título me fisgou de imediato. Nietzsche sempre foi um autor que me intrigou, com suas palavras que parecem morder e acariciar ao mesmo tempo. Além disso, histórias sobre meninos e livros possuem aquele quê de promessa, como se nos transportassem para o exato momento em que a leitura desvela mundos inteiros.
Cliquei. Assisti. Não uma, mas duas vezes seguidas. Lucas é um menino cuja história ecoa tantas outras. A escola o vê como um problema, um garoto que vai mal nas provas e precisa, segundo a professora, “ler mais”. Não há método, só a instrução: leia. E Lucas lê. Lê o que encontra pelo caminho: frases desconexas em postes, muros, até embalagens que o cercam. É um olhar que busca algo que ele mesmo não sabe nomear. É no meio de uma dessas buscas, enquanto corre atrás de uma pipa com outros garotos, que o acaso, ou talvez algo do inconsciente, o leva a um lixão.
A cena que se segue parece um prenúncio. Ao som de Assim Falou Zaratustra de Richard Strauss, Lucas encontra um livro. Sujo, esquecido, abandonado, mas poderoso. Assim Falou Zaratustra. Ele tenta decifrar as letras que formam o nome Nietzsche. É um primeiro encontro silencioso, mas arrebatador. Ele não sabe, ainda, que aquele livro irá virar sua vida do avesso.

Quando chega em casa, já com o livro em mãos, Lucas encara o mistério que segurava. Para sua mãe, era algo "estrangeiro". Mas para ele, era um portal que prometia respostas. Ou mais perguntas. No dia seguinte, Lucas sai perguntando, inquieto, sobre o que aquelas letras poderiam significar. A moça do supermercado não sabe responder, e o garoto, desanimado, abandona o livro numa carroça. E é aí que o acaso entra novamente. O catador devolve o livro a Lucas, dizendo que, se ele não entender as palavras, que “siga pelo mundo perguntando pra toda gente”.
Essa frase, simples, é o estopim. É como se algo dentro dele despertasse para a ideia de que o saber, mesmo fragmentado, pode ser um caminho, uma chance, uma transformação. Lucas começa a ler. Não sem dificuldades, mas com o desejo reaceso. As palavras começam a se desdobrar para ele, lentamente, com a força de quem aprende a enxergar pela primeira vez. E, nesse movimento, ele se transforma.
O filme traz muitas reflexões, mas, para mim, é impossível não pensar no papel da educação, especialmente em contextos onde ela é negligenciada ou temida. A leitura, nesse caso, surge como um encontro improvável entre um menino e um filósofo, no meio do lixo. Esse choque de mundos é uma metáfora potente: o saber é revolucionário porque pode surgir de onde menos se espera, subvertendo ordens e abrindo brechas para novos futuros.
Há algo de profundamente psicanalítico em Lucas. Sua jornada com o livro não é só uma busca de respostas, mas um atravessamento. Ele é marcado por esse encontro, e, como a psicanálise ensina, o que marca nunca passa sem deixar rastros. Nietzsche, com suas ideias sobre o super-homem, o eterno retorno, parece fazer eco no vazio simbólico ao redor do menino. É um chamado para algo além, para uma subjetividade que ele ainda está aprendendo a habitar.
Se ainda não assistiu, vale a pena. É uma história breve, mas que reverbera. Um lembrete de que, às vezes, o conhecimento aparece como uma pedra no caminho: tropeçamos nele e nunca mais caminhamos do mesmo jeito.
Por Mirlane Souza
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